Escher

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terça-feira, setembro 22, 2015

Evangelho último

Irmão
Os castelos erguidos
Entre tanto suor
Entre dores
Os edifícios por você erguidos
Nascidos da bruta lama
E do artificioso cimento
Imbricados de teus andaimes
Que brotavam como nossos irmãos mesmos
Insistem em se expelirem
De si mesmos
Dando vida a outros irmãos
Que gritam
Gemem
Mas morrem

Irmão, teus edifícios cairão
Irmão, teus anseios que se erguem
Até os céus, e dominam as dimensões
As arquiteturas profundas
Cadenciadas, universais
Ah, irmão, teus lares que hoje se postam
Por sobre o ar
A terra, teus mares
Eles cairão
Que toda civilização tem fim
Toda a forma de ver a vida tem fim
Toda manifestação de amor tem fim
Irmão, até teu ódio, infinito, tem fim
Se até deuses padecem
Se até Deus acaba enfim
Se até aquele que é
Não mais será
Por que achas que algo de tudo vai ficar, eu lhe pergunto
Por que achas que de tudo algo vai perdurar, eu lhe pergunto
Por que achas que o ser jamais será não-ser, eu lhe pergunto

Irmão
Se você soubesse o quão infantil é
Achar que o mal e o bem se amam
E se completam
Mais infantil ainda
Supor que eles são inteiros por si mesmos
Irmao, eles não podem nada disso
Que limitados e pequenos
O bem e o mal nada mais são
Que caprichos do mundo
São birras de um Cosmos
De outrora, muito infantil
E hoje maduro os mantém
Por nostalgia, sentimento lindo
Um dia também findo

Irmão
Toda essa fé, essa gratidão
Ou esse rancor
Não são coisas significativas
Apenas por serem delicadas
Ou únicas, ou infinitesimais
E nem a ordem do universo
Merece prestígio
Apenas por ser maior que tudo
Que valor não tem medida
E se tivesse, nem mereceria
Pois um dia será findo

Ah, irmão
Segue se alimentando de amor eterno
Que acaba
E, se ciente disso,
Nutre-se de amores passageiros
Mudando os corpos que te somam
E corroboram tuas próprias estruturas
A cada nova década
Mas até isso se vai
Que a mudança também acaba
E a passagem do tempo
Vai cansar
E dormir

Da glória daquilo que é
O espaço se ergueu
Moldou a luz, os quarks
Cada gota de existência
Que ia e ia, voltava
Seguia
E o tempo nascia
Enquanto a flor, muito mais que viva
Se abria, se expandia
Universo que desabrochava, sorria
Indiferente ao porvir do que viria
Mas irmão
Isso não vai durar
Que nem a lama suja de tua verdadeira natureza
Vai persistir
Que o indelével é ilusão fugaz
Que tua paz
Ou tua dor
É piada torpe
E o futuro não liga

Irmão
Se se iluminar com esta verdade
Vai entender que amor
Por mais lindo e delicado
Se um dia é findo
Não merecia ter nascido
Ter pungido
Ter sido

Irmão! Irmão!
A morte
Se tu te iluminares com esta verdade
Será maior que um deus

Irmão, irmão!
Esta verdade transcende
A redenção
A ressureição
O depois

Irmao...
Se você se iluminar com esta esperança
Será a única coisa que vai, no fim, ainda estar
Que a morte
A morte morre
Quando a vida realmente morre
A morte segue
A morte...

A morte é o ornamento da vida